¨Fecho os olhos, notando toda essa escuridão em mim. O silêncio absoluto não existe, mas eu o procuro em volta. Muitos sons se entrelaçam ao redor, como se dançassem. Aos passos leves ou estrondosos, uns mais distantes, outros mais altos, fazem do ar um palco invisível no entorno de mim. De olhos fechados não percebo se é noite ou dia, mas sei que não estou sozinho. Não é como se me tocasse, no braço ou nos meus ombros, mas sinto você, perto de mim.¨
- Oh, grande ser profundo! Ok, filósofo, já pode parar de viajar. - disse Mônica, em tom sarcástico, enquanto eu me mantinha sentado de pernas cruzadas e olhos fechados, a dois metros dela.
- Posso falar?! - Retorqui, meio afetado.
- Não precisa ficar bravinho! O que você tem? - ela perguntou, me deixando mais puto.
- Não gosto que digam que eu viajo! Se você não me entende, cale a boca na hora de dar palpites!
- Mas se eu calar a minha boca, vou palpitar como? - ela retorquiu com semblante irônico, como quem dá a última carta do jogo.
- Você entendeu o que eu disse! Aliás, não entendeu não... e nunca vai entender.
- Nunca vou te entender? - disse como quem se espanta - Por que acha isso?
- Porque ninguém entende. Já me acostumei com isso mesmo... - fiz que não ligava muito pra situação.
- Quanta prepotência, hein moço! Se você não se explicar, ninguém vai te entender mesmo! - daí ela sentenciou isso, como se fosse minha segunda mãe, só que um pouco mais marrenta.
- Pode parar com isso?! Sério, não to afim de brigas.
Continuei de olhos fechados o tempo todo, e agora o silêncio predominou entre nós. Reiniciei:
¨As sensações se multiplicam quando deixamos de enxergar. O mundo some de vista, a sonoridade toma formas. O vento navega e adentra em meus pulmões, engrandecendo-os em sua presença, e sai levando consigo, aquecido aconchego, do abraço grato pela visita. O começo e o fim da respiração, não é mais algo imperceptível, quando se dedica em observar.¨ No estado imóvel do sentir, me esqueço do corpo e do mundo fora dele. Mergulhado nas profundezas do momento, não percebi que tinha deixado de falar com Ela, trazendo comigo as palavras, do ar externo pro interno mar silencioso. Um arrepio me percorre pelas costas. Sinto o leve tocar de dedos Dela, como se a mão fosse um convite à seu paraíso.
- Nós deveríamos estar meditando. - apontei, com a voz mansa e abalada, inebriado pela sensação. Ela acariciava minha nuca com uma das mãos.
- Não aguentei ficar tão longe, seu gosto é muito bom. - Ela me disse isso com voz baixa e suave, envolventemente deliciosa, e aproximou a boca do meu ouvido.
O mar interno se agitou; o arrepio foi mais intenso, ondas fortes se movendo; a língua quente e molhada deslizando pelo ouvido; as mordidas descendo, leves, bem devagar pelo pescoço; o hálito Dela, quente e hipnotizante, tocando meu rosto. Abri os olhos e me virei à Ela. Seu rosto tão próximo; olhos semi-abertos, em transe; boca semi-cerrada, de lábios entregues. Fechei os olhos novamente, mergulhando Nela com um misto de força e carinho. Nossas mãos deslizavam pelas costas um do outro; as minhas apertam-A com força, uma desce e outra sobe, prendendo-a no abraço sufocante do meu desejo; as Dela me arranham, de baixo pra cima, atacam minhas costas, e voltando com mais intensidade. O beijo se torna mais que lábios macios se atacando loucamente; as mordidas e línguas dançantes, são mais que expressões de desejo; a mão que acaricia a cabeça e puxa meus cabelos, não é só reflexo de uma paixão interna incontrolável; são sintomas da fusão recíproca de dois seres, desesperadamente famintos, quase insanos, movidos ao instinto feroz, de engolir um ao outro para preencher um vazio escuro e estarrecedor.
. . .
A noção sobre o percorrer do tempo é bastante relativa, parece passar mais rápido quando esquecemos dele. Nós ignoramos o tempo, o espaço, nosso mundo e toda a vida, perdidos no calor reconfortante que encontramos um no outro. O tempo passou sem nos avisar, discreto e despreocupado, nos levou até a noite. Abrimos os olhos e afrouxamos o abraço, a noite exibia a Lua, e nós fitamos calados o cenário a nossa volta. A rua vazia; postes e lâmpadas sem luz; penumbroso estava o bairro. Continuávamos sentados na calçada, como antes, mas abraçados agora, com o olhar mirando as distâncias do infinito. Ela deitou a cabeça no meu peito, violando nosso sagrado silêncio:
- Você me faz esquecer que estou sozinha no mundo.
Mantive uma quietude pensativa, enquanto encarava a Lua um pouco mais.
- Ei, cara, volta pra Terra, eu preciso de você. Tá me ouvindo? - Ela dizia estalando os dedos na frente do meu rosto.
- A Lua é especial pra mim. Me inspira, me faz pensar. Ela me traz nostalgias, e também uma melancolia. Não deve haver nada interessante na Lua, é um completo vazio solitário. Mas se pudesse, eu te levaria até lá pra vermos a Terra, vista da Lua! - expressei o segredo contido naquele meu silêncio.
- Seu bobo! - Ela riu da forma mais doce que já tinha ouvido. Foi um sorriso imenso que se estampou dentro de mim em seguida. - O romântico em você falando mais alto. Mas pena que a vida não é feita de fantasias surrealistas.
- Eu sou assim. O romantismo é minha visão que encontra significados por todos os lados.
- Nem tudo precisa de simbologias poéticas. Corações não choram ou brilham por ninguém, são só sangue e batimentos.
- Não vejo o mundo assim.
- Isso porque você não é realista. O mundo é o que ele é, e não o que tu gosta de imaginar, maquiando a realidade.
- Não sei porquê ainda digo o que penso, se nem Você, e nem ninguém, conseguem me entender...
Não sei afirmar em que ponto da discussão nos afastamos um do outro, a distração da raiva me impediu de perceber. Nosso encontro terminou com uma frase:
- Vê se me esquece por hoje, pode voltar pra sua ¨Terra da Lua¨! - Senti o peito pesar enquanto via ela se afastando, perdendo importância dentro de mim. Os passos rápidos e orgulhosos percorriam a rua, exibindo a última visão que tive dela, antes de acordar...
. . .
Meu corpo encolhido, deitado para o lado. Acordei dolorido no chão do meu quarto, na minha ¨cama¨ improvisada. Novos e velhos gritos de discussões odiosas intermináveis me davam ¨bom dia¨; roupas espalhadas por todo o espaço, sujeiras físicas e psíquicas impregnam o ambiente; o choque penoso de realidade, voltar pra minha vida insuportável de fracasso constante e sem hora marcada. Me senti solitário mais uma vez, sem ninguém pra abraçar ou chorar no colo. Tudo parece tão patético, só me faltou acordar mijado! Levantei do edredom/psêudocama olhando em volta. Tá, o que uso pra me matar? Como pretendo dizer ¨inexista, seu imprestável¨, pra mim mesmo? Devo deixar uma carta póstuma? Um bilhete dizendo ¨Me desculpem, por ter vindo¨, ou quem sabe nem fizesse diferença. Nessas horas é tão confortante fugir pro mundo interno, um lugar de descanso mental...
Escrevi em letras bem grandes na capa de um caderno velho:
SE A REALIDADE FOR IGNORADA, ELA SAI DO SEU CONTROLE.
Meu perfeccionismo julga essa frase tão feia quanto todas as outras que criei como efeito. Sim, ele só sabe me destruir...
O ¨Mundo da Lua¨, como dizem... é meu único porto seguro... e por vezes, única e essencial fonte, de esperanças... que podem um dia me tirar daqui...
em alguns pontos parece que tá descrevendo minha Vida
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